O livro é passaporte, é bilhete de partida
Desconheço
liberdade maior e mais duradoura do que esta do leitor ceder-se à escrita do
outro, inscrevendo-se entre suas palavras e seus silêncios. Texto e leitor
ultrapassam a solidão individual para se enlaçarem pelas interações. Este
abraço a partir do texto é soma das diferenças, movida pela emoção,
estabelecendo um encontro fraterno e possível entre leitor e escritor. Cabe ao
escritor estirar sua fantasia para, assim, o projetar seus sonhos.
As
palavras são portas e janelas. Se debruçamos e reparamos, nos inscrevemos na
paisagem. Se destrancamos as portas, o enredo do universo nos visita. Ler é
somar-se ao mundo, é iluminar-se com a claridade do já decifrado. Escrever é
dividir-se.
Cada
palavra descortina um horizonte, cada frase anuncia outra estação. E os olhos,
tomando das rédeas, abrem caminhos, entre linhas, para as viagens do
pensamento. O livro é passaporte, é bilhete de partida.
A
leitura guarda espaço para o leitor imaginar sua própria humanidade e
apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e sua
experiência. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados enquanto
redimensiona seus entendimentos.
Há
trabalho mais definitivo, há ação mais absoluta do que essa de aproximar o homem
do livro?
Experimento
a impossibilidade de trancar os sentidos para um repouso. O corpo vivo vive em
permanente e vários níveis de leitura. Não há como ausentar-se,
definitivamente, deste enunciado, enquanto somos no mundo. O corpo sabe e duvida.
A dúvida gera criações, enquanto a certeza traça fanatismo.
Reconheço,
porém, um momento em que se dá o definitivo acontecimento: a certeza de que o
mundo pessoal é insuficiente. Há que buscar a si mesmo na experiência do outro
e inteirar-se dela. Tal movimento atenua as fronteiras e a palavra fertiliza o
encontro.
Acredito
que ler é configurar uma terceira história, construída parceiramente a partir
do impulso movedor contido na fragilidade humana, quando dela se toma posse. A
fragilidade que funda o homem é a mesma que o inaugura, mas só a palavra
anuncia.
A
iniciação à leitura transcende o ato simples de apresentar ao sujeito as letras
que aí estão já escritas. É mais que preparar o leitor para a decifração das
artimanhas de uma sociedade que pretende também consumi-lo. É mais que a
incorporação de um saber frio, astutamente construído.
Fundamental,
ao pretender ensinar a leitura, é convocar o homem para tomar da sua palavra.
Ter a palavra é, antes de tudo, munir-se para fazer-se menos indecifrável. Ler
é cuidar-se rompendo com as grades do isolamento. Ler é evadir-se com o outro,
sem contudo perder-se nas várias faces da palavra. Ler é encantar-se com as
diferenças.
(Texto extraído do livro : A formação do leitor/ Pontos de vista
– Organizadores:
Jason Prado e Paulo Cóndini/ Leia Brasil – Programa de
Leitura da Petrobrás – 1999)
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Um pouco sobre Bartolomeu Campos de Queirós
Viveu sua infância em Papagaio, cidade pequena com gosto de "laranja-serra-d' água", no interior de Minas Gerais, em 27 de agosto de 1940. Formou-se em Filosofia e especializou-se em Educação e Arte no Instituto Pedagógico em Paris. Seu interesse pelo ensino de Arte e Literatura o fez viajar muito por este país. Uma pessoa atenta a cores, cheiros, sabores e sentidos que rodeiam as pessoas do lugar. Conhecia as cidades apreciando os azulejos. Bartolomeu via as coisas com encanto e poesia. Dizia ter fôlego de gato, o que lhe permitiu nascer e morrer várias vezes. "Sou frágil o suficiente para uma palavra me machucar, como sou forte o suficiente para uma palavra me ressuscitar." Em 1974, publicou seu primeiro livro, O peixe e o pássaro e um dos últimos livros, A filha da preguiça, que foi publicado em 2012. Recebeu importantes prêmios, como o Jabuti, o Grande Prêmio da APCA, o Diploma de Honra do IBBY, o Selo de Ouro da FNLIJ, entre outros. Em 16 de janeiro de 2012 veio a falecer em Belo Horizonte. E agora nos resta ressuscitá-lo a cada palavra lida escrita por ele.
Alguns livros:
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